sábado, 28 de abril de 2012

Beijo de chuva




 Estar carente é monstruosamente medonho. Pior que estar carente é não se dar conta de sua própria necessidade de amor, o que lhe faz ainda mais cego por carinho alheio. Nessas benditas horas percebemos como a vida é enormemente malandra, nossos sentimentos triplicam de tamanho fazendo-nos chorar como crianças mimadas. A bebida faz-se necessária, puro anestésico emocional, porém , com tremendas reações indesejadas. Confissões, choros desenfreados (beirando o desespero) e beijos roubados. 
  O simples tocar dos lábios fazem com que sintamos borboletas no estômago. Os corpos se aproximando, a respiração sentida por cada ponto do rosto, as bocas sedentas por contato físico. Finalmente, o momento tão desejado, os lábios completam-se, lindo espetáculo, todo o corpo se eriça, calafrios, sujos desejos.
  Sorriso estampado no rosto só de pensar na possibilidade do beijo. Sozinhos os casais se completam numa sinfonia perfeita. O tempo parece ser apenas um instante, um segundo de complementação amorosa. Beijos, abraços, carinhos trocados, corpos quentes. 
  Estamos sempre desejosos por uma boa companhia, não podemos viver sozinhos, queremos compartilhar desenganos, angústias, amores, alegrias, loucuras. Queremos compartilhar uma história, que pode, e deve ser construída a dois.
  O instante do beijo é incontável, indizível, incomparável, e divinamente espetacular. O beijo é chuva que cai sem aviso, forte no primeiro instante, agradável e prazerosa depois de invadir todo o corpo com sua vitalidade. O calor da pele se mistura com as gostas úmidas e gélidas. 
  Como a chuva, o beijo é molhado, quente, e gostoso de se sentir. Bocas grandes, pequenas , macias ou rijas, bocas. Sabores doces, salgados, ácidos, sabores. Tudo isso junto, me faz querer ser beijada e agarrada debaixo de uma tempestade, eu desejo ardentemente por um beijo de chuva.
  












segunda-feira, 26 de março de 2012

Sorriso de criança

Aquele menino frágil, sentadinho no colo da possível mãe, chamou-me atenção. Tinha os olhos brilhantes, cílios compridos como duas cortininhas fechando e abrindo. Olhinhos cativantes implorando por atenção, castanho escuro, daquele castanho mais que castanho algo se assemelhando ao preto.

Abaixo do nariz via-se uma gosma verde endurecida, a mãe repara na pequena sujeira, e limpa seu pequenino nariz. Agora sim, bem melhor está meu garoto, limpinho. Ele observa-me, ora olha diretamente para mim, ora desvia, por pura curiosidade de criança atrevida. Bem que sou uma figura um tanto intrigante, devo possuir pisca-piscas por todo o corpo, ou é apenas a “loirísse” crônica. Realmente deve de ser bem impactante para um ser tão pequenino.

Criança peculiar, chinelos do tamanho das minhas mãos, todo colorido. Cabelinho liso e castanho, chegando a cor da madeira mais nobre, figura exótica, mas ao mesmo tempo comum. Enfim convenço-o a fixar suas pupilas em minha figura chamativa, digamos que uma conversa por troca de olhares.

Todos sabemos quão difícil é conquistar uma criança, ainda mais sem palavras. Ele faz careta, eu o acompanho, ficamos assim por minutos a fio. Levanto as sobrancelhas, pisco os olhos, mostro a língua, franzo a testa, delicio-me, ele ri. 

O serzinho faz tantas caretas quanto eu, caio na gargalhada, ele sorri deliciosamente. Como me deixa extasiada esse sorrisinho, sinto-me em casa, quase feliz. Lá fora confusão e falatório, mas eu não ligo à mínima, a pessoinha envolveu-me de tal maneira que nada me tira a atenção daquele corpinho.

O ônibus para, a mãe se levanta, segura meu garoto no colo. Ele grita, seu chinelinho caiu, a mãe recolhe a coisa pequenina do chão, ele se acalma. Os dois vão saindo, continuo observando fixamente o menino, nossos olhares se cruzam, presenteia-me com um belo sorriso, respondo com outro ainda mais largo, perco-o de vista. Viro-me desesperadamente para a janela, apenas vejo aqueles olhos intrigantes ao longe, sinto uma angústia, um choro inesperado me domina, lagrimas caem vagarosamente, um choro agradável.

Tudo que ficou na minha mente foi seu sorriso, tão ingênuo, tão contente, sorriso de criança.

segunda-feira, 12 de março de 2012

A dádiva da imaginação


Dentro da minha cabeça, perdida entre pensamentos, já fui a dezenas de lugares, beijei bocas desconhecidas, casei, tive filhos, briguei, apaziguei. Conquistei homens importantes, desfrutei da vida em lugares paradisíacos, fiz tudo que sempre desejei fazer. Já morri inúmeras vezes, discuti por terceiros, embriaguei -me, falhei. Lancei-me em grandes viagens, muitas foram, tantas que se levaria uma eternidade para contá-las. Conheci povos antigos, fui imperatriz, escutei a doce melodia de Beethoven, bebi com Modigliani. Falei línguas, do russo ao finlandês, tive amores incontáveis, avassaladores, como nos romances, conheci Drummond. Envelheci, e vi que a vida é realmente surpreendente. Estudei filosofia, fui historiadora, até teóloga , a Grécia foi meu segundo lar. Perguntei a Platão pra que tanta confusão? Apaixonei -me pela França, morri de amores pela Itália, fui feliz. Como chorei , como amei, como... Emocione -me, desfrutei da riqueza, senti a pobreza por todo o meu corpo, gritei. Fui baronesa, uma princesinha, até magnata, enlouqueci. Vivenciei tantas coisas dentro de mim, pareceu ser tudo suficientemente gostoso, mesmo sem sentir o gosto. Gostei de ser o que não pude ser. Num estalo desperto, "é aqui que eu desço moço, obrigada".

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A felicidade te assusta?

Eu observo pelas  minhas janelas, vejo rostos perdidos, assustados, e aparentemente acuados. Percebo que não vejo olhos tranquilos, como que, descansados e sadios, só enxergo um leve toque de tristeza. Estranha conclusão. " Ali, vem vindo um homem!" Mas ele traz um sorriso no semblante, curioso. Como nos filmes de amor,onde sempre aparecem personagens inusitados, salvando ou ajudando o personagem principal. É um ser de olhos sãos, cantando docemente pela calçada, uma música não entendida por mim, é claro. Alegre ele está, gosto, e sigo- o através de meus olhos. Todos a sua volta parecem estar envergonhados,envergonhados por esse homem que passa pela rua cantando e sorrindo. A alegria parece ser assustadora e motivo de repreensão.Chato. Mas ele não se deixa abater, continua pela rua com sua doce melodia, cumprimentando a todos que passam. Muitos respondem aos cumprimentos no susto, na surpresa, outros nada respondem e ignoram a doce criança. Porque crianças são assim, alegres e, possuem milhares de motivos para estarem felizes. Aquele homem me lembrava meu irmão, em seus melhores anos. Belo sorriso, belo rosto, é inacreditável como a felicidade transforma tudo, um tanto encantador, não é mesmo? Surpreendentemente meu olhar se encontrou com o dele, e nesse exato momento estou sorrindo, ele parece notar e, retribui com uma bela piscadela. Fico surpresa por um instante, e um pouco envergonhada, mas mesmo assim ele conseguiu me fazer sorrir, ainda que no meio de tantos olhares tristes e difusos, agora meu dia se fez outro. Chego a uma conclusão, podemos viver acuados, cheios de conceitos feitos, vidas já pensadas, futuros promissores, e mais uma besteirada de supostos objetivos. Porém o que importa literalmente é o amor de viver, a vontade de querer ser feliz, não feliz do jeito que se tenta ser, possuindo coisas desenfreadamente, ser feliz por notar que é lindamente feliz. Sair por aí cantando não se importando com comentários alheios, ser o que se é, independente dos olhares vexativos e críticos. Esses críticos são pobres de alma, e ainda não viram a felicidade de perto,e esse homem me pareceu sinceramente feliz, não felicidade disfarçada de ilusões reais, mas pura felicidade. Com apenas um sorriso pode-se sentir alegre, mesmo que tudo que nos rodei não seja como deveria ser. A vida se faz assim, ontem esse ser poderia estar chorando, porém hoje está sorrindo, e isso é o que importa para mim agora. Abrirei a porta para minha felicidade, oferecerei um chá e alguns biscoitos, quem sabe assim ela não me abandona? A campainha está tocando, só pode ser ela, ( não a minha felicidade, ainda) minha amiga Carolina, vamos estudar juntas hoje. Contarei tudo a ela hoje, sobre a felicidade, será que entenderá? Carolina é uma grande amiga, mas nem tudo pode ser entendido, mesmo que essa pessoa seja seu amigo. A nossa cabeça é confusa demais, e muitas vezes faltam palavras para explicar o que se passa. Ela ri do que eu a digo, crê-me uma doidinha por pensar tantas besteiras em apenas uma tarde. Carol balbucia palavras soltas sobre realidade (não quero escutar) e a prova de filosofia daqui a uma semana.  A realidade vence-me, sempre assim, ficamos imaginativos por algum tempo, e logo depois cai um cocô de passarinho na nossa cabeça para acabar com toda a magia, dizendo "a vida é aqui, acorda!'. Não vou enganar ninguém, é assim, mas eu ainda continuo olhando pela janela, sempre com a esperança de observar, como hoje, um desses olhares felizes e cheios de alegria. A minha felicidade toma chá, e come biscoitinhos comigo, a sua deve estar ai perdida, corra atrás dela, ou vigie a sua janela constantemente.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A minha querida tristeza...


A tristeza me  habita, já não consigo ver minhas angústias, minhas inquietações, não sei mais quem realmente sou. O motivo eu já imagino qual seja, é nítido, mas ela consegue me cegar mesmo assim, ilusória como só ela deve ser. ELA, ELA  adentrou minha mente e alma, alcançou minhas maiores frustrações, ELA sabe de tudo, e ainda sim, me corrói. Maldita ! Condena me à eterna escuridão. Como é possível uma bela desconhecida me fazer tanto mal, tanta dor, tanta dúvida, ser tão intensa e importante na minha medíocre existência? ELA é o meu centro, só me concentro nela, e minha vida gira em torno desse tormento, tudo que digo, faço e penso, é ELA quem dita. Amarra me carinhosamente, educa me como um animal selvagem, ELA      sabe o que quer, e sabe como fazer dar certo. Agonia! ELA me possui, sou sua cativa, devota cativa, leal como um animal bem treinado, viciosa senhora, me liberte, deixe me morrer pelo menos, minha existência ao teu lado é um cárcere medonho,se não podes me deixar, que me deixe morrer. Não há "eu" , eu não sou mais nada, sou dela, faço parte dessa desgraçada senhora, sábia e virtuosa aos olhos de seus humildes súditos. Minha "dominus", seja somente minha senhora, não a quero com mais ninguém além de mim, se não for assim, quererei a eterna escuridão. Excelência, eu a amo como nenhuma outra alma poderia amar tanto, seja minha, de mim tudo terás, minha mente é sua, meu medo, não sei o que é a alegria, meus risos foram banidos de mim,  só posso contar com minhas amargas lágrimas, só posso apoiar minha cabeça em teus doces ombros. Eu a desejo, venha até mim, eu a desejo como nenhum mortal poderia desejar tão doentiamente, meu vício é a vossa excelência. " Como podes querer que eu seja somente tua? Isso é uma afronta, não sejas  tão arrogante a tal ponto de querer me como tua. Tu não és nada, apenas uma alma que piso, e dou belas gargalhadas das tuas desgraças. Filha, não se engane, eu sou sórdida, eu não mereço o amor de ninguém, só consigo destruir tudo que antes era bonito e saudável, eu enlouqueço todos que de mim pedem ajuda. Você já está louca. Quando chegam ao nível de querer me amar, é um sinal nítido de loucura, e como eu não posso ser amada, por segundos todos me amam, mas logo depois já se esqueceram de tudo". Estarei eu realmente louca, a ponto de amar a única senhora que me faz tão triste? Será realmente? Será minha senhora? Eu a perdoou por tudo que já fizeste, por tudo que destruíste, e por tudo que um dia possuiu sanidade, mais sã que eu, só a senhora. "Insistes em tal loucura? Só os loucos desconhecem a própria loucura, você não sabe o que diz. Possuo anos de labuta, nada me atinge, suas súplicas já são por mim conhecidas, é como reviver o passado, você é o que todos algum dia foram." Despreza me  como a uma maçã podre no meio de tantas outras igualmente podres, e mesmo assim não consigo não lhe amar, só eu posso arrancar la de mim, mas não posso. No dia que a deixar, finalmente desvincilhar me da senhora, sentirei me vazia, abundantemente vazia.  " Nada mais posso fazer, minhas palavras são gritadas, porém inaudíveis a você, só posso lhe ordenar uma coisa, mate me, só assim seguirás em frente, ordeno te , mate me, e nunca mais recordarás de mim". Excelência, como podes ordenar me tal desventura? Não a quero esquecida, desejo sua presença pelo resto dos meus dias. Porém, como posso eu, desobedecer a ordens tuas? Que devo fazer agora?Senhora imploro, não me obrigues a fazê lo, não queres mesmo repensar tua decisão? "Não!" Vida miserável, se não a posso ter , ninguém mais a terás, que se faça o que desejas, te matareis e a mim também. " Se assim o queres, bem, faça o , de uma coisa eu sei, apenas morrerás tu, porque de mim nada levarás, apenas o que pensas que possuis em tua loucura." Como podes ser tão cruel? Insisto em dizer , louca não estou, nunca a matarei e, nada me deixa mais triste que a tua indiferença, de tristeza irei viver, de tristeza serei nutrida, tudo nessa vida me faz querer ser triste, não sei ser outra coisa, minha senhora." Sei que não me matarás, por isso eu a matarei aos poucos, um pequeno corte a cada dia, só assim sentirás raiva de mim, e quererás o amor, a alegria e a felicidade ao teu lado, quem lhe faz mal não merece tua companhia. Nesse momento de nada vai adiantar dizer lhe isto, nada compreenderás, porém só o tempo lhe dará a devida lucidez." Que se faça a tua vontade minha senhora, que o tempo me cure dessa tristeza que me condena. " Assim será minha querida, assim será... o tempo é meu aliado, de tudo que fiz aos tristes, ele soube apaziguar, e todo mal que ainda farei, ele saberá dissipar".

sábado, 28 de janeiro de 2012

" Je ne sais pas!"


Ouvindo Juliette Greco, me emociono.Como uma língua e uma melodia conseguem ser tão belas e melancólicas ao mesmo tempo? Ha! França! Palco de grandes acontecimentos, país de tantos pintores, pensadores, escritores, artistas. Antro de cultura charmosa. França irresistível, França vista pelas películas antigas, França, senhora esnobe e elegante. Como gostaria de por um dia, andar pelos seus jardins imponentes, sentir a brisa parisiense sentada em um banco de praça. Ha! Se pudesse vê la com meus olhos deslumbrados e famintos! França desconhecida, mas tão próxima dos meus mais belos pensamentos. Será que em alguma vida fui uma senhorita francesa? De lábios vermelhos, bochechas rosadas pelo sol, de pele branca e macia, com voz suave? "Je ne sais pas!". Ha! Se pudesse ao menos enxergá la e senti la por dois segundos... Doce França, cheia de amantes fiéis, França querida e adorada, criança mimada, minha França eterna.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Simples vida


Sinto a vida percorrer me a face, aproximar se de minha boca, nossa,quantos sabores! Sinto o aroma da maresia, posso provar do gosto salgado das ondas, posso ouvir o barulho do mar de ressaca, posso sentir o vento forte bagunçando meus cabelos, e finalmente, passar meus pés sobre a areia fofa, e senti la por entre todos os meus dedos, cada grão percorrendo minha pele.Com pouco esforço, posso enxergar a praia em sua plenitude de por de sol, o amarelado da paisagem reflete em meus olhos, agora me sinto completamente tomada  pela praia. Porém a areia da praia me embasa a vista, sinto os grãos arranhando minhas pupilas, arde,esse é o preço que se paga pela contemplação. A areia insiste em ser dolorosa, não me deixa ver, eu quero enxergar, eu quero sentir a praia por inteiro, mas a areia se mantém firme em seu papel de tirana. Tento inutilmente esfregar meus olhos, mas ela continua ali, por algum motivo ela me pune por algo ainda não realizado. Eu quero  pertencer à praia, eu quero ser possuída por essa plenitude, por essa paz, eu quero, eu quero, eu quero...! Porque me torturas dessa maneira? Ter todos meus sentidos acesos e vivos e não poder finalmente enxergar o espetáculo do qual eu sou espectadora. Eu não sou digna de observar a beleza que se apresenta diante de mim? Eu quero, eu quero, eu quero ver! Haaaaaaa.... meus olhos estão vivos, finalmente vejo a praia diante de mim, porém já é tarde, o que se pode ver agora são vultos. Desgraçada, miserável, porque fizestes isso a mim, qual foi o motivo de tal castigo? Agora a escuridão me possui, me perco em tamanha imensidão de negritude, o que antes era amarelado e agradável, nesse exato momento é absolutamente cegueira. Mas o que é isso? Ainda posso sentir o vento tocando meu corpo lentamente, ainda posso sentir o cheiro da noite, ainda posso sentir a areia gelada entre meus dedos, ainda posso admirar a praia, mas de uma outra maneira, da maneira mais gostosa possível, através dos meus sentidos, e todos estão comigo, me acompanham sempre a cada lugar que desejo ir. Apesar da cegueira que me toma, ainda posso enxergar a praia. Meu deus! A praia me possuiu como deveria ser... agora  pertenço à ela.